Quando ligamos nossos PCs ou nossos Consoles para jogar aquele jogo favorito ou aquele tão esperado, apenas seguramos nossos controles e nos deixamos ser levados a um novo mundo e a uma nova aventura. E simplesmente não questionamos, como se estivéssemos sedados e vulneráveis a qualquer experiência que nossos sentidos possam ter. Essa sensação de que estamos saindo do nosso mundo para entrar de corpo e alma em um outro mundo, físico ou virtual, com outras regras e outros paradigmas, se chama imersão.
Grandes game designers e designers de experiências conseguem dominar a imersão, como pegar na mão do jogador, guiá-lo e fazer com que ele aceite e acredite na nova realidade pensando que estão fazendo tudo aquilo por conta própria sem a ajuda de ninguém. Eles sabem que devemos deixar dicas subliminares aos jogadores, dicas que os farão perceber como tudo funciona, onde devem ir e por que.
Convido vocês a entrarem no submundo dos games. No mundo onde a cortina desce e os cenários caem. Onde observamos a nós mesmos através do espelho falso. Mas cuidado! As consequências podem ser devastadoras, mas necessárias para quem quer se tornar um Game Designer.
Pegue um papel, caneta e ligue seu jogo favorito, pois vou mostrar através da análise dele, como melhorar seus conhecimentos e habilidades de game design.
Pare e olhe ao redor
Ligue seu jogo. Pare! O que você vê?
Esse é o início do jogo Super Mario Bros. Pessoas comuns dirão que não tem nada nessa cena, apenas uma nuvem, um arbusto, uma montanha e um cara de bigode. Mas o game designer é uma pessoa astuta. Nada é de propósito. Veja só os pontos que a maioria das pessoas não viram:
- Existe apenas um personagem no cenário, indicando quem o jogador está controlando;
- Não existe nada ameaçando a segurança do nosso herói. Por isso o jogador tem tempo para experimentar os controles e descobrir qual botão faz o que. Como o controle de NES tem apenas o botão direcional e 2 botões funcionais, é válido o jogador pressionar os botões para descobrir os comandos de controle;
- A maior parte do tempo o jogador se encontra no centro da tela, mas essa posição inicial para a esquerda dá a dica que o objetivo de Mario é sempre se mover para a direita.
No game Portal as coisas são um pouco diferentes, mas o objetivo é similar: ambientar e ensinar o jogador o que ele deve saber para começar a jogar. Nessa cena é mostrado um cronômetro e um espaço fechado. Isso indica que temos um espaço livre de qualquer perigo e tempo definido para o jogador poder testar os controles.
Existem outros itens minuciosamente definidos para enfatizar esse objetivo:
- O vidro tem uma estampa para enfatizar que você está dentro de ambiente fechado;
- Dicas aparecem na tela para mostrar os comandos básicos de movimentação;
- A descentralização do relógio na tela (e nossa sede eterna por balanceamento!) nos força a virar para a direita, revelando itens e ensinando o jogador a interagir com objetos – mecânica IMPORTANTÍSSIMA para o jogo.
Você deve estar se perguntando agora: “Sempre fui enganado?! Minhas habilidades gamers são mentiras?!”. Tenha calma, não é bem assim.
Imagine que, de repente, você tem que abandonar sua situação normal de habitante terrestre e terá que ser transportado a uma base espacial secreta em Marte para salvar a humanidade dos alienígenas. É tudo novo, tudo diferente. Se você não receber nenhuma informação e treinamento sobre tudo isso, com certeza sua vida estará em risco desde o momento que você partir da Terra. Essa situação é semelhante aos games. Se o jogador não for instruído – mesmo que indiretamente – sobre o que deve ser feito, ele perderá o jogo constantemente ou ficará preso sem saber o que fazer. Nesse ponto o jogador ficará desinteressado pelo jogo e deixará o mundo novo e a aventura.
Mas como o Game Designer sabe se essas técnicas funcionarão e quando usar essas técnicas?
Vamos por partes…
Core Mechanics (Mecânicas Essenciais)
No início do jogo a principal preocupação do Game Designer é fazer com que o jogador aprenda as Core Mechanics (Mecânicas Essenciais). Uma Core Mechanic é a mecânica principal do jogo, uma que, caso não esteja presente, a essência do jogo quebra ou muda.
Vamos pensar em um exemplo prático com um jogo que todos conhecem: Mário! Existe uma mecânica no Mário que é a Flor de Fogo. Quando o Mário pega essa flor ele ganha a habilidade de atirar bolas de fogo.
Vamos pensar se essa mecânica é uma Core Mechanic. Se o jogo não tivesse essa mecânica, o jogo ainda seria Mario? Mas é claro que sim! Isso mostra que a Flor de Fogo não é uma Core Mechanic. Mas e se tirarmos a habilidade dele de correr, pular ou até mesmo chegar no final do cenário? Com certeza o jogo não seria mais o Mario que conhecemos. Isso faz dessas características Core Mechanics.
Então devemos ensinar o jogador apenas a usar as Core Mechanics? Não! Devemos sempre ensinar o jogador a utilizar todas as mecânicas para ele aproveitar o máximo possível de seu jogo. Mas temos sempre que garantir que o jogador saberá utilizar as Core, senão ele abandonará o jogo antes de entender sua proposta e seus objetivos.
Mas como o Game Designer saberá se o jogador vai entender a mecânica ou se sua técnica para ensinar funciona? E como, e quando adicionar essas técnicas de aprendizado? Apalavra chave é – como já vimos – Playtest.
Se não colocarmos o jogo a prova, não saberemos onde colocar essas técnicas mágicas de ensinamento, e também não saberemos se essas técnicas funcionam ou não. Por isso, se você estiver desenvolvendo seu jogo, sempre peça para outras pessoas testarem. Observe e colete dados dos testes para direcionar o seu Design.
Quem sabe não falo um pouco sobre técnicas de Playtest em posts futuros. É um assunto interessante e muito importante para criar um jogo de sucesso.
Identificando as Core Mechanics
Por que é importante identificar as Core Mechanics? Elas são a essência do Gameplay. Para um designer é sempre bom limitar as Core Mechanics e trabalhar em mecânicas adicionais apenas quando as cores estiverem bem definidas, senão você pode se deparar com falta de foco e um problema conhecido como Feature Creep.
Feature Creep é quando um produto tem tantas funcionalidades adicionais que fica difícil a sua utilização e seu domínio. No contexto de games, o perigo é que você terá que ensinar o jogador a jogar o seu jogo, apresentando mecânica a mecânica. Sem foco você não saberá quais mecânicas apresentar primeiro e, caso consiga apresentar várias mecânicas de uma vez, o jogador não conseguirá assimilar as novas informações ou não terá oportunidade de melhorar sua habilidade de uma mecânica específica no decorrer do jogo.
No jogo Portal temos as seguintes Core Mechanics:
- Portais (Principal. Jogo todo foi feito em cima dessa mecânica)
- Botões (e outros gatilhos) com Portas
- Manipulação de Caixas para utilizar com os botões
É interessante que todos os Puzzles (Quebra-Cabeças) do jogo utilizam poucas Mecânicas Core e oferecem a oportunidade do jogador treinar e dominar essas mecânicas. À medida que o jogador avança no jogo, o Designer lhe apresenta novas mecânicas ou variações de mecânicas conhecidas.
Conclusão
Todas essas técnicas de design e apresentação de mecânicas fazem parte de uma área importantíssima do desenvolvimento de games. Essa área se chama Level Design. Level Design é um assunto muito extenso, mas vamos navegar nesse mar em muitos posts futuros, com certeza. É importante saber analisar esses pontos e identificar as mecânicas e ter uma biblioteca de truques de design para servir de ferramenta para quando surgir algum problema no seu jogo.
Mas agora é hora de pegar aquele jogo que você sempre joga e jogá-lo de forma diferente. Convide seus amigos, montem um grupo de discussão, um Game Design Club, e compartilhe conosco sua análise! Espero que tenham gostado e que tenhamos instigado sua sede por Game Design. Vejo vocês no próximo artigo! Tchau!
PS: The Cake is a lie
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